Sabedoria: na arte e na vida
Como diz o ditado: "a vida imita a arte", mas é bem verdade que qualquer obra baseia-se em múltiplos elementos da realidade para construir seu universo, especialmente a construção moral de seus personagens. Você com certeza se lembra de alguma frase sábia que encontrou em algum filme ou livro. Saiba que, muito provavelmente, ela se baseou, ou pelo menos conversa, com uma linha de pensamentos pré-estabelecida na realidade. Hoje, iremos comparar algumas frases de grandes ícones da cultura pop, diante de algumas ditas pelos maiores autores e pensadores da história. O resultado irá te surpreender.
STAR WARSHARRY POTTERMARVEL E DC
Rafael Silva
12/18/20258 min read
Yoda e C.S Lewis: Quando o medo transforma o coração em arma


Em ´´Ameaça Fantasma´´, o Grão-Mestre da Ordem Jedi, Yoda, explicou ao jovem Anakin Skywalker, os perigos de render-se ao medo, narrando uma trajetória que poeticamente se tornaria exatamente o caminho que Skywalker trilharia rumo a sua queda ao lado sombrio: ´´O medo leva a raiva, a raiva ao ódio leva, o ódio, leva ao sofrimento´´. Como todos sabemos, o medo de perder Padmé, o levou a seguir os ensinamentos de Palpatine, entregando-se ao seu ódio para alcançar os poderes do lado sombrio. Ao ser traído por Obi Wan, sentiu ódio mortal daquele que um dia viu como irmão. E por fim, acabou queimado em meio ao mar de fogo de Mustafar, destruído fisicamente, psicologicamente e espiritualmente, tendo como único sentimento, um inimaginável sofrimento.
A queda do Escolhido, carrega consigo um metáfora advinda do cerne da humanidade: O medo primitivo, que leva ao ódio irracional. O sentimento de fragilidade, traz ódio ao coração do homem, que fará de tudo para tornar-se o propagador do medo, não sua vítima. Décadas antes do Mestre Jedi, mais precisamente em 1942, em sua obra ´´Cartas de um Diabo a seu Aprendiz´´, C.S Lewis (lendário autor de As Crônicas de Nárnia) dizia:
"O ódio tem seus prazeres. Por isso, é frequentemente a compensação pela qual um homem amedrontado se ressarcirá das misérias do medo. Quanto mais ele teme, mais ele irá odiar"
Aqui, Lewis explicita a fragilidade humana perante o medo, que muitas vezes mostrou-se letal em sua história: Guerras, genocídios, perseguições, preconceito, todos crimes de ódio, originados em sua grande maioria, pelo medo.
A tragédia de Anakin Skywalker, pelas palavras de Yoda, nada mais é, que uma alegoria ao ciclo de terror da humanidade: Cansado de sentir medo, Skywalker tornou-se Darth Vader, um ser de trevas, que extraia desse sentimento, a sua força. Permanecendo imerso em seu próprio ódio, para que essa força jamais se voltasse contra ele.
Tanto Lewis na realidade, quanto Yoda em Star Wars, nos ensinam a ter controle sobre nossas emoções negativas, compreendendo que elas podem nos levar a caminhos sombrios caso deixemos que elas decidam nosso destino, pois ambos sabem perfeitamente, que ele será um só: O sofrimento.
Kierkegaard e Rafiki: Aprendizes da Vida


Rafiki é um dos personagens mais icônicos de O Rei Leão (1994), responsável por batizar Simba e apresentá-lo a todo o reino, no topo da Pedra do Rei. Tido por alguns como um louco, o babuíno é, na verdade, o animal mais sábio do reino — não apenas devido à sua longa vida, mas pela capacidade de interpretá-la. Ele mostra essa sabedoria quando Simba retorna ao Reino, ainda relutante em confrontar Scar, sentindo-se culpado pela morte de seu pai, Mufasa. O macaco então lhe dá uma lição valiosa: não ignorar o passado, mas usá-lo como ferramenta de crescimento.
“O passado pode doer. Mas, do jeito que eu vejo, você pode fugir dele ou… aprender com ele.”
Rafiki ensinou ao príncipe que os erros do passado não podem ser apagados. Quanto mais você tentar fugir, mais preso estará. Apenas confrontando-o com coragem e aprendendo com ele será possível superá-lo verdadeiramente.
Essa inteligente passagem do clássico da Disney entra em consonância com a obra de um dos maiores pensadores de todos os tempos, o dinamarquês Søren Kierkegaard.
Kierkegaard é considerado o "pai do existencialismo" por focar na existência concreta do indivíduo, sua liberdade e subjetividade, em contraste com as filosofias abstratas da época. Sua obra enfatiza temas como angústia, desespero, escolha e a necessidade de construir a si mesmo através das decisões individuais.
Em um de seus escritos mais famosos, reunidos em seus Diários, o filósofo afirmou:
“A vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas só pode ser vivida olhando para frente.”
Essa brilhante frase conecta-se, em sentido, com a animação noventista. O pensador compreende que o passado é fundamental para a construção do nosso ser e sempre moldará nossas decisões. No entanto, a vida é constante e só pode ser vivida de cabeça erguida. O passado é uma ferramenta de evolução, a qual devemos usar para construir nosso futuro, e não viver eternamente preso a ele. Essa lição, embora vinda de um babuíno eremita, reflete um dos pensamentos mais profundos da filosofia existencialista.
Batman e Sartre: A verdadeira identidade do ser


Em Batman Begins (2005), o Cavaleiro das Trevas disse uma de suas frases mais icônicas para Rachel:
´´Não é quem eu sou por dentro, e sim o que eu faço, que me define´´.
Essa fala vai muito além de uma mera frase de efeito de super-herói; ela reflete perfeitamente o próprio desenvolvimento de Bruce Wayne. Ele tinha muito ódio em seu coração, um desejo de vingança ardente, que queimava desde a morte de seus pais. Porém, ele sabia que, se o colocasse para fora, ele se tornaria tão monstruoso quanto aqueles que destruíram seu mundo. Por isso, ele não se deixou levar pelas trevas dentro de si, fez de suas ações a sua verdadeira identidade: proteger as pessoas e combater o crime com um código moral rígido, que jamais o permitiria cruzar a linha que o rebaixaria ao nível daqueles que enfrenta. Batman entendeu que não eram sua identidade nem suas experiências que decidiam quem ele seria, e sim a forma como ressignificava elas em seu presente.
O filósofo francês Jean-Paul Sartre pensava da mesma forma. Em seu livro "Existencialismo é um humanismo", ele descreve o seguinte pensamento:
“O homem não é nada além daquilo que ele faz de si mesmo.”
Aqui, Sartre segue a mesma lógica que o Homem-Morcego. São as ações do homem que definem quem ele é, e nada mais. Por mais que todos nós tenhamos luz e trevas dentro de nós, é o lado pelo qual decidimos agir todos os dias que nos enquadra no que somos dentro da sociedade. Essa linha de pensamento pode nos levar inclusive a um segundo paralelo, com outro personagem fictício, no caso, Sirius Black, da franquia Harry Potter. Em Ordem da Fênix, ele diz a Harry:
“Todos temos luz e trevas dentro de nós. O que nos define é o lado com o qual escolhemos agir.”
Em um mundo cada vez mais feito de aparências, mostra-se cada vez mais necessária a força para agir pelo certo, e uma ainda maior para reconhecer-se como falho, e, por vezes, incapaz de admitir que o faz sempre. E, diante dessa verdade, tanto o herói quanto o pensador nos conduzem à mesma conclusão sábia: a identidade não é o que carregamos dentro de nós, mas o que fazemos com o que carregamos.
Drácula e Sísifo: A prisão da imortalidade.


O Conde Drácula é o Rei dos Vampiros, vivendo por milênios por meio de rituais profanos, que o destituíram de toda sua humanidade, tornando-o incapaz até mesmo de andar sob o brilho do sol. Em troca do poder de vencer a morte, ele perdeu a capacidade de viver a vida, sendo intocável para quaisquer sentimentos positivos, como o amor. A imortalidade, para o Príncipe das Trevas, se transforma em um tormento eterno de mesmice. Ele explicitou esses sentimentos para Jonathan Harker, enquanto o mantinha aprisionado em seu castelo:
“O tempo é para os mortais; para mim, nada muda.”
Aqui, o Vampiro da Noite se mostra insensível ao tempo e suas transformações, uma vez que tais sentimentos mortais já não estão mais ao seu alcance.
Um caso claro de alguém que trocou sua humanidade por um poder que, no fim, não lhe satisfaz.
Essa realidade vai ao encontro de outro clássico da literatura, O Mito de Sísifo, do pensador francês Albert Camus. Na obra, Sísifo recebe o dom da imortalidade, porém, é condenado a passar a eternidade empurrando uma rocha até o topo de um morro. Ao chegar próximo do topo, a pedra cai sobre ele, não o matando, mas forçando-o a fazer tudo de novo, em um ciclo cíclico de dor. Assim como Sísifo, Drácula venceu a morte, mas, ainda assim, vive como se ansiasse por ela. O Conde ainda é capaz de amar — como amou Mina Murray —, mas não consegue vivê-lo plenamente. Sua crueldade o levou longe demais para que qualquer humano pudesse amá-lo igualmente.
Por fim, a mensagem do Rei dos Vampiros em 1897 se conecta, quase cinquenta anos depois, à reflexão de Camus nos dizendo de forma clara: O poder pelo poder não tem valor algum, se lhe impede de viver a melhor vida, mesmo que esse poder seja o de vencer o maior medo da humanidade: A morte. Pois, como dizia nosso saudoso Alvo Dumbledore em Relíquias da Morte:
´´Não tenha pena dos mortos. Tenha pena dos vivos e, acima de tudo, daqueles que vivem sem amor. ´´
Dumbledore e Epicteto: O Mundo dos Sonhos


Em Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001), Harry se vê fascinado pelos prazeres do Espelho de Ojesed. Esse item mágico permite ao usuário ver diante de si aquilo que seu coração mais deseja — o seu maior sonho. No caso de Potter, era estar junto de seus pais mais uma vez. Porém, Dumbledore intervém nesse momento, dizendo ao garoto uma de suas frases mais célebres:
“Não vale a pena viver sonhando e se esquecer de viver.”
Essa lição veio de alguém que também já foi tentado pelo poder do espelho, assim como muitos outros bruxos que enlouqueceram diante dele.
O sábio diretor passava horas diante do artefato, vendo nele sua irmã falecida, Ariana, ainda viva ao seu lado. Era uma sensação prazerosa — como viver em um mundo de sonhos, onde seus desejos mais profundos pareciam reais. Contudo, Dumbledore compreendeu que aquilo não passava de uma ilusão, que o acorrentava a afastava da realidade tangível.
O pensador estóico Epicteto também refletiu sobre isso, afirmando:
“A felicidade e a liberdade começam com uma clara compreensão de um princípio: algumas coisas estão sob nosso controle, e outras não.”
Em um paralelo direto, ambos nos ensinam que os sonhos podem nos inspirar e fortalecer, mas só conduzem à verdadeira liberdade quando reconhecemos os limites daquilo que podemos controlar. Devemos perseguir nossos objetivos que dão sentido a nossa vida, mas também aceitar o que está além do nosso alcance.
Tanto Dumbledore quanto Harry foram seduzidos por visões do impossível que, embora confortantes, os afastavam da realidade — uma armadilha tentadora que os impedia de viver a verdade. Em suma, tanto o estoicista grego quanto o diretor de Hogwarts nos deixam a mesma lição:
´´Sonhe, mas não deixe de viver quando perceber que nem todos eles vão se realizar, e adapte-se à sua realidade, para que possa continuar sonhando. Pois afinal, os sonhos, são o combustível da nossa vida. ´´
