QUAL DELAS TEM A MELHOR JORNADA DA HEROÍNA?

Muitos conhecem a Jornada do Herói, de Joseph Campbell. Sobre seus preceitos, heróis lendários como Luke Skywalker, Harry Potter e Frodo foram desenvolvidos. Mas, nem todos conhecem a Jornada da Heroína, desenvolvida por uma de suas melhores alunas, Maureen Murdock, em 1990. Apesar de semelhante em muitos aspectos, essa jornada possui elementos únicos, presentes na trajetória de algumas personagens icônicas, como Mulher Maravilha, Hermione e Mulan. Mas, qual delas sintetiza melhor essa jornada? É isso que vamos descobrir hoje, enquanto nos aprofundamos quanto a esse conceito um tanto desconhecido!

MARVEL E DC

Rafael Silva

10/25/20259 min read

Mulher-Maravilha

Criada em 1941 por William Marston, Diana Prince é a maior heroína da cultura pop, mas será que tem uma boa Jornada da Heroína? Antes de mais nada, vamos entender melhor o que é essa tal jornada:

A separação com o feminino ocorre logo no início de seu arco, quando deixa a Ilha Paraíso para ir com Steve Trevor até o mundo dos homens, com o objetivo de encerrar a Segunda Guerra Mundial. No processo, ela é obrigada a deixar para trás sua mãe, a Rainha Hipólita, e todas as suas irmãs, para cumprir seu destino.

A identificação com o masculino conversa com sua adequação à realidade de seu gênero naquela nova realidade: não como uma princesa ou guerreira, mas como uma enfermeira, subserviente aos homens. Aqui, os estereótipos de gênero são reforçados.

Ela encontra aliados no meio da Liga da Justiça, um meio também totalmente tomado por homens, onde ela novamente precisa se adequar. Ela encontrou benefício no êxito, quando começou a ser tratada como heroína pelas pessoas, cumprindo seu objetivo como guardiã da paz.

Após estabelecer-se como heroína, Diana enfrenta sua primeira grande perda. A morte surge em sua vida, durante as HQs dos anos 1960, escritas por Dennis O´Neil, quando ela abre mão de seus poderes para salvar Steve Trevor de um grupo de criminosos, algo que também conversa com o sétimo tópico, em que ela abre mão de seu poder por amor. Porém, Trevor ainda assim morre, e Diana se vê separada de seu lado humano, e também divino.

No início dos anos 1970, Diana acaba perdendo suas memórias e voltando à Ilha Paraíso, onde retoma seus antigos poderes e vida. Esse momento serve como a reconciliação com sua mãe, ao mesmo tempo que renova sua conexão com o feminino.

Sua regeneração com o masculino, e sua conexão entre ambos, ocorre nos quadrinhos de George Pérez. Diana retoma seu relacionamento com Steve (ainda vivo nessa realidade) e abre as portas de sua ilha para a humanidade, permitindo que acesse seus conhecimentos e tecnologias, firmando um elo entre o 'mundo dos homens' e 'das mulheres'.

Mulher Maravilha cumpre todas as etapas da Jornada da Heroína: rompe com sua antiga vida, se adapta a um novo mundo, obtém sucessos e sofre com fracassos, precisa voltar às origens para obter força, e por fim, consegue a vitória final, trazendo paz para dois mundos.

  • Separação do feminino: Deixa a Ilha Paraíso com Steve Trevor para encerrar a Segunda Guerra Mundial, abrindo mão da mãe Hipólita e das Amazonas.

  • Identificação com o masculino: Assume o papel de enfermeira no “mundo dos homens”, vivendo em posição subserviente às regras masculinas.

  • Unindo-se aos aliados: Integra a Liga da Justiça, cercada por heróis homens, precisando novamente se adaptar.

  • Caminho dos desafios: Enfrenta inimigos e missões que testam seus limites como guerreira e heroína.

  • Encontrando o benefício do êxito: Passa a ser reconhecida como heroína e guardiã da paz, conquistando respeito da humanidade.

  • Despertando para a aridez espiritual (morte): Nos anos 1960, renuncia a seus poderes para salvar Steve Trevor, mas ele morre, deixando-a dividida entre perder sua parte divina e seu elo humano.

  • Iniciação / Descenso à Deusa: A renúncia por amor representa sua descida e crise espiritual, onde experimenta fragilidade e perda.

  • Necessidade emergente de se reconectar com o feminino: Nos anos 1970, perde a memória e retorna à Ilha Paraíso, recuperando poderes e renovando seu vínculo com as Amazonas.

  • Sanando a separação mãe/filha: Reconcilia-se com Hipólita, reforçando a ligação com sua origem e missão.

  • Sanando o masculino ferido: Nos quadrinhos de George Pérez, retoma o relacionamento com Steve Trevor e redefine o papel do masculino em sua vida.

  • Integração do masculino/feminino: Abre Themyscira para a humanidade, unindo conhecimentos e valores dos dois mundos, tornando-se ponte entre o “mundo dos homens” e o das Amazonas.

  • Retorno com o elixir: Mulher Maravilha cumpre todas as etapas da Jornada da Heroína, trazendo equilíbrio e paz entre duas realidades distintas.

Mulan

A heroína da Disney encaixa-se perfeitamente na Jornada da Heroína, sendo uma quebra completa com as expectativas em torno de uma mulher em sociedades tradicionais. Contrariando o desejo de sua família, Mulan não quis se casar e sonhava em ser uma guerreira, como seu pai. Sua identificação com o masculino ocorre de maneira quase literal, quando ela se passa por um homem para entrar no exército, assumindo a identidade de Ping.

Nessa jornada, ela se alia ao seu dragão guia, Mushu, ao seu capitão e interesse romântico Shang, e a outros soldados, tão deslocados quanto ela.

Mulan enfrenta diversas dificuldades, seja para aprender como se comportar como uma lutadora, seja para esconder sua verdadeira identidade de seus amigos, o que gera cenas muitíssimo embaraçosas.

Durante uma batalha contra os Hunos, Mulan (ou Ping) tem uma atuação heroica, salvando suas tropas e afastando os inimigos, ficando gravemente ferida em meio a uma avalanche. Shang a salva, mas descobre sua verdadeira identidade. Em respeito a ela, não a prende ou executa, apenas a expulsa do exército. Assim, ela sente as dores do fracasso.

Porém, ela recusa-se a desistir, e com apoio de Mushu, volta à luta, e salva a China da invasão dos Hunos, unindo a força e coragem atrelada aos homens, e a empatia e sensibilidade atrelada às mulheres, reconectando-se com seu lado feminino e unindo o 'melhor dos dois mundos'. E, por fim, assume o romance com Shang, satisfazendo a vontade de sua mãe e família, mostrando que, para ser uma guerreira, não é necessário abrir mão do amor.

Mulan cumpre de maneira brilhante a Jornada da Heroína, com uma profundidade surpreendente para uma animação da Disney.

  • Separação do feminino: Mulan não se encaixa nos papéis tradicionais de sua sociedade (esposa obediente, filha perfeita). Ao ver seu pai doente ser convocado para a guerra, decide se afastar desse destino.

  • Identificação com o masculino: Disfarça-se de homem e assume a identidade de “Ping” para entrar no exército, aprendendo a adotar posturas, roupas e atitudes masculinas.

  • Unindo-se aos aliados: Cria laços com Mushu, Cri-Kee, e especialmente com seus companheiros de batalhão (Yao, Ling, Chien-Po), além do capitão Shang.

  • Caminho dos desafios: Precisa provar sua força, disciplina e coragem para ser aceita no exército. Enfrenta treinamentos pesados e o preconceito por ser considerada frágil.

  • Encontrando o benefício do êxito: Supera os desafios, conquista o respeito de Shang e dos soldados, e mostra liderança na luta contra os hunos.

  • Despertando para a aridez espiritual (morte): Sua verdadeira identidade é revelada após ser ferida. É rejeitada pelos companheiros e deixada sozinha na neve, perdendo tanto seu disfarce masculino quanto a honra feminina.

  • Iniciação / Descenso à Deusa: Nesse momento de crise, descobre sua verdadeira força, não como homem nem como mulher submissa, mas como ela mesma. Decide enfrentar os hunos de volta a Pequim, sem precisar esconder quem é.

  • Necessidade emergente de se reconectar com o feminino: Usa sua inteligência e habilidades consideradas “femininas” (criatividade, estratégia, astúcia) para derrotar Shan Yu, provando que o feminino também é poder.

  • Sanando a separação mãe/filha: Retorna para casa, reconciliando-se com a família. A relação com o pai é central aqui, mas o retorno representa também o resgate de seu lugar como filha.

  • Sanando o masculino ferido: Mostra a Shang e aos outros homens que a coragem e a honra não pertencem apenas ao masculino, ajudando-os a rever sua visão sobre papéis de gênero.

  • Integração do masculino/feminino: Une a bravura guerreira (masculina) com a compaixão e sabedoria (feminina). Mulan torna-se heroína justamente por equilibrar os dois lados.

Katniss Everdeen

A caçadora de Jogos Vorazes, talvez seja a adaptação mais ''didática'' da jornada de Maureen Murdock. Katniss vivia uma vida aparentemente comum no Distrito 12, mas desde cedo já rompia expectativas femininas ao caçar para alimentar sua família. O rompimento definitivo vem quando se oferece no lugar da irmã Prim para os Jogos Vorazes.

Assim, a separação do feminino e a aproximação com o masculino ocorrem. Suas alianças vêm através de Peeta e dos rebeldes, que mesmo que por vezes frágeis, cumprem seu papel na jornada da heroína. Após vencer o desafio dos Jogos e conquistar o título da Garota em Chamas, ela atinge seu apogeu, sendo esse o momento em que Everdeen sentiu o sabor da vitória.

Posteriormente, o vinho se tornou água, quando perdeu amigos como Rue e Prim, lembrando-a novamente de suas fraquezas, e possibilitando sua evolução. A conclusão de seu ciclo vem no final da trama, quando Katniss reconecta-se com sua família, com Peeta e alcança o equilíbrio entre suas duas facetas.

  • Separação do feminino: Katniss vive no Distrito 12, mas rompe com os papéis femininos tradicionais ao se tornar caçadora para sustentar a família. O rompimento se intensifica quando ela se oferece como tributo no lugar da irmã Prim.

  • Identificação com o masculino: Nos Jogos, adota posturas de sobrevivência e combate, assumindo um papel agressivo e estratégico, típicos do arquétipo masculino.

  • Unindo-se aos aliados: Constrói alianças frágeis com Peeta, Rue e depois com os rebeldes. Aprende a confiar nos outros, mesmo em um ambiente hostil.

  • Caminho dos desafios: Enfrenta a arena, a perseguição da Capital e os dilemas de ser usada como símbolo de rebelião contra sua vontade.

  • Encontrando o benefício do êxito: Conquista a vitória nos Jogos e torna-se “a Garota em Chamas”, símbolo de esperança para o povo oprimido.

  • Despertando para a aridez espiritual (morte): Experimenta perdas devastadoras — a morte de Rue, depois a morte de Prim — mergulhando em dor, trauma e desesperança.

  • Iniciação / Descenso à Deusa: No luto e na dor, reconhece que sua verdadeira força não é apenas sobreviver, mas resistir e proteger, ainda que com cicatrizes.

  • Necessidade emergente de se reconectar com o feminino: Recupera sua humanidade no vínculo com a família, com Peeta e com a memória de Prim, que simboliza cuidado e empatia.

  • Sanando a separação mãe/filha: A relação com a mãe sempre foi marcada pela distância. Ao final, Katniss encontra forças para se reconciliar, mesmo que silenciosamente, no esforço de reconstruir a vida após a guerra.

  • Sanando o masculino ferido: Peeta representa o lado emocional e vulnerável — sua reconciliação com ele mostra que a parceria verdadeira não é de dominação, mas de equilíbrio.

  • Integração do masculino/feminino: Une a guerreira fria e calculista à jovem sensível e compassiva, tornando-se símbolo não só de revolução, mas de renovação.

Todas elas, a sua própria maneira, alcançam com êxito a Jornada da Heroína. Mas, qual delas melhor se adequa a esse conceito? É isso que iremos descobrir! Antes de decidir, vamos observar comparar como cada uma delas cumpriu seu ciclo:

Diana tem décadas de história e serviu de inspiração para o próprio conceito, sendo uma das pioneiras do heroísmo feminino na ficção. Mulan, por sua vez, segue todos os preceitos à risca, alguns até de forma literal, como quando abraça a persona de um homem para realizar seu sonho. Katniss segue uma fórmula igualmente didática, mas um tanto mais complexa.

Creio que a Mulher Maravilha seja incomparável, pelo tamanho de sua história, que se estende ao longo de décadas de quadrinhos, séries e filmes. Mas, entre as três citadas, quem melhor cumpre todos os requisitos da Jornada da Heroína é Mulan.

A guerreira chinesa abraça todos os tópicos e tem uma história muito bem amarrada com o conceito, com uma conclusão extremamente satisfatória, demonstrando o equilíbrio entre feminilidade e masculinidade. Porém, seria injusto não dar alguns prêmios menores para as outras duas participantes, assim como fizemos com Harry e Frodo na Jornada do Herói (confira aqui mesmo no Lar da Cultura POP), então, vamos ver em que aspectos Mulher Maravilha e Katniss destacam-se com seus arcos.

🏆 Jornada do Herói Mais Bem Estruturada: Mulan

🏆 Mais Simbólico: Mulher Maravilha

🏆 Mais Corajoso: Katniss

🏆 Mais Poderoso: Mulher Maravilha

🏆 Melhores Relações: Katniss

🏆 Mais Perseverante: Mulan

🏆 Melhor Relação com Mentor: Mulher Maravilha

🏆 Melhor Relação com o Inimigo: Mulher Maravilha

E você, concorda com o resultado? Faltou alguma heroína que poderia ser citada? Se sim, não deixe de comentar! Fique atento para as próximas publicações por aqui.