O QUE OS MONSTROS CLÁSSICOS NOS ENSINAM?
Os clássicos monstros da Universal foram as primeiras adaptações das grandes obras de alguns dos maiores mestres da ficção de terror. De Bram Stoker e Mary Shelley, de Drácula a Frankenstein, este foi um período em que o terror vinha cercado de um forte apelo dramático, tornando a vida de cada monstro, uma verdadeira tragédia teatral. Hoje, vamos entender quais eram as principais lições por trás de cada uma dessas lendas do terror!
TERROR
Rafael Silva, André Roberto e Matheus Prates
11/22/20259 min read
DRÁCULA: O PESO DE UMA VIDA ETERNA


Drácula não é apenas um vilão, é um mito. Um espelho sombrio da alma humana que se entregou ao prazer e perdeu tudo que a tornava viva.
Drácula é um dos vilões mais clássicos da ficção. Estando há décadas sob domínio público, o maior vilão do terror foi adaptado para diversas roupagens, algumas ótimas, outras ridículas. Essa diversidade o transformou em algo maior que um personagem de cinema: um verdadeiro mito popular.
Porém, essa falta de seriedade pode ter lhe desviado de sua proposta original.
O Vampiro vendeu sua humanidade por 'poder'. Poder para viver por séculos imerso em prazeres profanos, sejam sexuais, sejam materiais.
Porém, nesse processo, foi destituído de tudo que o tornava humano. Já não podia andar à luz do sol, nem experimentar qualquer sentimento positivo.
Em seu princípio, ele foi um homem comum, um nobre guerreiro, que ao perder sua esposa, perdeu também sua fé. Em revolta, decidiu voltar-se contra tudo que simboliza o bem, tornando-se o bastião do mal no mundo.
Sozinho por séculos, ele se cercou de noivas mortas-vivas, cheias de beleza, mas vazias de vida, sendo nada mais que meras escravas do Conde. Não importa o quanto ele tentasse, ele era incapaz de sentir amor. Do que adianta viver milênios, se não é capaz de amar? Se ele é obrigado a fingir que ainda é humano, quando na verdade, é um animal da noite, prisioneiro de sua própria maldade.
Drácula é o retrato do que acontece quando os desejos vencem os limites morais. Sem alma, sem amor e sem redenção, ele é a sombra do que um dia foi humano.
FRANKENSTEIN: O MONSTRO INCOMPREENDIDO


Em 1818, Mary Shelley escreveu uma das maiores obras da ficção científica: Frankenstein. A obra retrata Victor Frankenstein, um cientista obcecado em romper com as barreiras naturais, desejo de possuir o poder de Deus em suas mãos, de vencer a morte e criar a vida. Porém, essa obsessão deu origem a uma criatura condenada desde sua concepção. A criação foi renegada por seu próprio criador, que a via como um monstro vindo de seus piores devaneios, e vagou pelo mundo sendo temida e odiada por todos. Ainda assim, o ser se fascinava pela humanidade: seus desejos, saberes e sentimentos. A capacidade de sentir, mas a incapacidade de viver tais sentimentos, fez florescer a revolta da criatura contra o Prometeu Moderno que o criou. Uma prova dos riscos de desafiar a ordem natural. Porém, é ainda mais complexo do que isso: é uma crítica potente ao que o próprio homem entende como natural, um questionamento que ganhava força no período iluminista em que a obra foi concebida.Frankenstein era visto como uma ameaça por todos, menos por quem NÃO O VIU de fato. Ironicamente, o único a recebê-lo em sua casa foi um deficiente visual. Um homem que se limitou a conhecer seu novo amigo por suas ações e palavras. Essa é a prova de que muitas vezes julgamos pessoas e situações por sua aparência, deixando de lado seu real valor. Em suma, Frankenstein é uma crítica às tentativas da humanidade em dobrar a vida à sua vontade, ao mesmo tempo que à incapacidade do ser humano em aceitar o diferente — que, de certa forma, é também uma cruel deturpação moldada pela construção social. Ao final, o verdadeiro monstro talvez não seja a criatura — mas o espelho que ela oferece à humanidade.
HOMEM INVISÍVEL: DO DESESPERO AO PODER


Em 1933, a Universal Pictures lançou um de seus maiores clássicos na Era dos Monstros, ´´Homem Invisível ", baseado na famosa obra de H. G Wells. O filme é notório até os dias de hoje, devido principalmente ao seu pioneirismo na área de efeitos especiais. Porém, indo além da pura técnica, é possível perceber o poderoso arco trágico de seu protagonista.
Jack era um cientista brilhante, que usou de seu conhecimento para criar um elixir que iria mudar para sempre a humanidade, podendo tornar um humano invisível. Porém, tudo deu errado. Após um acidente, Griffin tornou-se permanentemente invisível, fazendo-se notar apenas por meio de suas roupas e pelas ataduras que pôs em seu rosto. Desesperado, ele percorreu o mundo em busca de uma cura — em vão. Ele via a si mesmo (piadas à parte), como uma aberração amaldiçoada. Em todo o lugar que ia, era motivo de pânico.
Incapaz de reverter seu estado, ele decidiu ressignificar sua condição, infelizmente, da pior forma possível.
Ele tomou seus poderes como dons que o colocavam acima de seus iguais, usando-os para propagar o caos e a morte, deixando todo o Reino Unido imerso no mais puro terror, como forma de alimentar seu próprio sadismo. Ele se transformou exatamente naquilo que acreditava que as pessoas viam nele: Um monstro.
Seu ódio o cegou até mesmo para aqueles que o amavam, como sua amada Flora Crowley, e também seu pai, que mesmo após seus crimes bárbaros, ainda enxergavam sua humanidade. Como o Senhor nos diz em Provérbios 16:18 (“A soberba precede a destruição, e a altivez do espírito precede a queda”)
O Homem Invisível é uma tragédia clássica, com lições poderosíssimas. Em momentos de crise, devemos manter a fé e a esperança, e apegar-se aqueles que nos amam independentemente de tudo, e não se voltar contra a sociedade como um todo, em uma vingança desmedida. Não dê a aqueles que o acusam, o poder da verdade.
O Fantasma da Ópera: Feiura de corpo ou de alma?


O primeiro sucesso da Universal, O Fantasma da Ópera, chegou aos cinemas em 1925, no auge do cinema mudo. Baseado na obra atemporal de Gaston Leroux e protagonizado pelo lendário Lon Chaney (lembrado também pelo papel de Quasimodo em O Corcunda de Notre-Dame), o longa se eternizou como um clássico cult, misturando elementos de terror, romance e drama. Mas o real espírito dessa obra está na dualidade de seu protagonista.
Eric (O Fantasma) nasceu com terríveis deformidades, sendo rapidamente abandonado por sua família, tendo sido criado por ciganos. Ainda jovem, desenvolveu um profundo amor pela arte e tornou-se um habilidoso arquiteto — autor de grandes obras, como a própria Ópera de Paris —, mas foi proibido de entrar nela por causa de sua aparência. Em uma alegoria trágica da realidade, ele é o símbolo daqueles que constroem o poder que outros ostentam, mas que jamais usufruem dele, por culpa das construções sociais, nesse caso, a estética. Esse preceito contraria diretamente as palavras de Deus em 1 Samuel 16:7:
“O homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração.”
Oculto nas sombras e escondendo seu rosto com uma máscara branca, ele tornou-se uma assombração para os espectadores da Ópera, mas tudo mudou quando a bela atriz Christine cruzou seu caminho. A paixão ardente que sentiu por ela desde o primeiro momento trouxe à tona a sua verdadeira deformidade. Ele a sequestrou, tentando forçá-la a sentir o mesmo que ele, sob ameaça de matar seu noivo, Raoul. Seus dons a encantaram temporariamente, mas, quando ela viu seu rosto, rapidamente virou as costas para ele. Mais uma vez, sua aparência lhe privou de uma vida normal, mas a forma como Eric lida com seus fracassos é sua verdadeira fraqueza. Ele jurou matá-la e destruir a Ópera de Paris. Porém, acabou perseguido por uma multidão enfurecida, acabando com a própria vida ao afogar-se em um lago.
Curiosamente, ambos os personagens Chaney compartilham um desenvolvimento semelhante, ao mesmo tempo que um final totalmente diferente. Quasimodo sempre sofreu devido à sua deficiência e também se apaixonou por uma mulher que sabia que jamais o amaria da mesma forma (Esmeralda). Porém, o Corcunda soube respeitá-la e conquistou sua amizade, conseguindo libertar-se da opressão de seu mestre, Frollo. Eric, por sua vez, se parece mais com o Frollo do que com o jovem deformado, tornando-se um homem amargurado e sádico, capaz de tudo para submeter as pessoas à sua vontade.
O Fantasma é um personagem trágico, alguém excluído por sua aparência, apesar de seus incríveis dons. No entanto, simboliza também uma feiura verdadeira: A necessidade de impor sua vontade sobre os outros, mesmo que precise usar a violência. Sua necessidade de aceitação o transformou no monstro que todos julgavam que ele fosse.
A MÚMIA: UM AMOR ETERNAMENTE PROIBIDO


O filme “A Múmia” (1932) é um dos grandes clássicos esquecidos da Universal, muitas vezes ofuscado por seu remake de 1999, estrelado por Brendan Fraser. No entanto, o original protagonizado pelo lendário Boris Karloff — o mesmo intérprete de Frankenstein (1931) — mantém seu valor, narrando um amor capaz de vencer a própria morte.
Imhotep era um sacerdote fiel do faraó, mas sua lealdade escondia um desejo proibido: o amor pela princesa Anck-Su-Namun. Sua traição o condenou à mais terrível das punições — a mumificação em vida. Porém, antes de morrer lançou uma maldição: aquele que lesse o antigo feitiço do Livro de Thoth despertaria o seu corpo e sua alma novamente.
Milênios depois, a profecia se cumpre. Um arqueólogo britânico, movido pela curiosidade, liberta acidentalmente a maldição. A Múmia agora caminha entre os vivos, sob o nome de Ardath Bey — um anagrama de Death by Ra (“Morte por Rá”). Renascido, ele percorre o Egito moderno em busca da reencarnação de Anck-Su-Namun, encontrando-a na jovem socialite Helen Grosvenor.
A partir desse reencontro, o amor de Imhotep se transforma em obsessão. Ele mata, manipula e destrói tudo ao seu redor para trazê-la de volta, ignorando o livre-arbítrio e os sentimentos da mulher que dizia amar.
No fundo, Imhotep nunca amou verdadeiramente. Sua paixão sempre foi moldada pela traição e pelo desejo de domínio, um reflexo de sua própria corrupção espiritual. Ele é o símbolo daquele que confunde amor com controle.
Mesmo depois de atravessar oceanos de tempo, sua paixão continuou tão imunda quanto sempre foi.
O MÉDICO E O MONSTRO


O Dr. Jekyll era um homem qualquer. Bem-sucedido e respeitado, mas, em constante conflito com sua natureza violenta, que precisa manter oculta para preservar sua própria imagem. Assim como nós, ele possuía luz e trevas em seu coração, mas preferiu agir pela razão e manter-se no controle de seus sentimentos. No entanto, ele desenvolveu um fascínio por essa dualidade humana e desenvolveu um elixir capaz de dividir seus dois “lados”, um totalmente bom, sem nenhuma mancha de crueldade, e o outro, um ser totalmente perverso, sem traços de bondade. Assim, nasceu Mr. Hyde. Como Hyde, o nobre doutor tornava-se um ser asqueroso, cometendo os atos mais vis. Quando voltava a si, ele sentia o peso de seus crimes, mas não era capaz de assumi-los, já que, em tese, não havia sido ele a cometer aqueles crimes. Assim, ele se viciou no elixir, libertando suas próprias trevas sob outra identidade, incapaz de assumir sua própria crueldade, na necessidade compulsiva de manter uma imagem perfeita. Essa construção de mundo tinha sua âncora na realidade do Reino Unido de 1886. Robert Stevenson trouxe para sua obra uma crítica à sociedade vitoriana na qual vivia, em que a polidez e a educação eram extremamente valorizadas, mas serviam muitas vezes de fachada para uma hipocrisia inerente ao ser humano. É uma metáfora para um mal inerente à humanidade, do qual é impossível escapar, mesmo por meio dos extremos da ciência. Em tempos de uma artificialidade crescente, a crítica de Stevenson segue pertinente. Redes sociais e até mesmo drogas são capazes de nos manter alheios a nossas próprias falhas, servindo como válvula de escape para nossas próprias realidades. A construção Jekyll/Hyde serviu para o desenvolvimento de outros personagens icônicos da cultura pop, como Hulk e Duas-Caras, que compartilham do mesmo problema: A incapacidade de lidar com suas próprias falhas. Hyde é o exemplo de que devemos assumir nossos erros e lidar com eles da melhor forma, sem fugir de suas consequências. Pois, ao negar o mal em nós, damos a ele o poder de nos dominar.
