Metáforas da Cultura Pop
Cinema, quadrinhos, livros ou músicas, todo o tipo de arte, é carregado de ideias e metáforas, que ficam subentendidas em suas entrelinhas. Algumas, deixadas propositalmente pelos próprios autores, outras, desenvolvidas pelos seus consumidores. Hoje, vamos conhecer algumas das metáforas mais interessantes, envolvendo universos e personagens icônicos da ficção.
STAR WARSMARVEL E DC
Rafael Silva
11/16/202512 min read
O Que o Império Simboliza?


O que o Império Galáctico realmente representa? Seria apenas um vilão de ficção ou um espelho sombrio de regimes reais da nossa história?
Em Star Wars, o Império não conquista apenas planetas: conquista corações e mentes por meio da propaganda, do medo e da promessa de “ordem”. Mas, por trás de sua máscara tecnológica e seus capacetes reluzentes, esconde-se uma crítica mordaz a ditaduras do passado — e talvez até do presente.
O Império Galáctico é um regime ditatorial, altamente autoritário e violento, respondendo com força mortal a qualquer tipo de insurreição contra sua suposta “ordem”. Apesar dos horrores que demonstrava por toda a galáxia, sua propaganda era muitíssimo bem feita, fazendo com que muitos homens e mulheres acreditassem que eram vitais para garantir que a máquina imperial mantivesse a “paz” pela galáxia.
Mas, afinal, em quais regimes da vida real o Império de Palpatine e Vader se baseou?
George Lucas revelou em entrevistas que baseou-se em vestes usadas por oficiais nazistas para desenvolver os visuais dos comandantes imperiais e do próprio Darth Vader. Muito da propaganda imperial e de seu próprio modus operandi assemelha-se em grande medida à ditadura vigente da Alemanha entre as décadas de 30 e 40: o militarismo, o culto ao líder, o trabalho escravo e a perseguição de minorias, como os jedis no caso do Império.
É simples comparar uma ditadura da ficção com uma ditadura do mundo real. Mas George Lucas foi muito mais além em sua adaptação da realidade para a ficção. Segundo palavras do próprio: “O Império Galáctico é uma metáfora para os EUA no período do governo Nixon, durante sua invasão do Vietnã.”
Nesse período, os americanos buscavam impedir o expansionismo soviético na região. No entanto, essa ação militar resultou em uma rejeição massiva dentro do país que, somada aos milhões de mortos americanos e vietnamitas, levou à retirada das forças estadunidenses e à tomada do país pelos comunistas.
George retratou os Rebeldes como os vietnamitas e o Império como seu próprio país: um império com sede de mais e mais poder, que se utiliza de seu poderio e de sua propaganda para garantir que sua narrativa permaneça. Um império que, muitas vezes, intervém na autonomia de outras pátrias para impor a sua vontade.
Em contrapartida, será que as críticas de George Lucas valem somente para os Estados Unidos e seu modelo capitalista? Ou será que seu rival ideológico também entra nessa conversa?
Para George Lucas, sim! Referências ao regime soviético foram deixadas em momentos-chave da trilogia clássica, como a chegada de Palpatine à Segunda Estrela da Morte em Retorno de Jedi, em um paralelo aos desfiles militares soviéticos durante o Dia da Revolução.
Com o passar dos anos, muitos passaram a reparar em outros detalhes menos perceptíveis, que podem equiparar ambos os governos.
A falta de liberdades individuais, o militarismo exacerbado, a repressão extrema e a extinção de qualquer tipo de oposição são comportamentos comuns do Império de Star Wars — e foram realizados aos montes pela URSS e seus países satélites.
E você? Como enxerga as características do Império Galáctico em nossa realidade? Será que a crítica de Lucas é válida? Não deixe de comentar!
A Metáfora da Chapeuzinho Vermelho


Você conhece a história: uma menina doce, um capuz vermelho e um lobo mal. Mas e se eu te dissesse que, por trás da capa de conto infantil, Chapeuzinho Vermelho guarda uma metáfora perturbadora sobre sexualidade, amadurecimento e perigos do mundo adulto?
Na versão mais 'Fofinha' da história, Chapeuzinho vai até a casa de sua avó, levar alguns doces, seguindo por um atalho, onde se encontra com o famoso Lobo Mal, o personagem central de toda essa história.
O Lobo convida a jovem para ir com ele, mas ela se nega, escapando da primeira armadilha. Então, ele vai direto até a casa da avó, devorando-a, para então disfarçar-se como ela, para atrair Chapeuzinho. Porém, antes que ela seja morta, um caçador chega, elimina o Lobo e resgata não só Chapeuzinho, mas também a avó, conseguindo retirá-la do estômago do predador. Mas, como uma história tão bobinha poderia ter um significado oculto?
Por baixo de toda essa magia, a história original é repleta de conotações sexuais. O Lobo (ou Lobisomem, dependendo da versão) da história, era apenas uma metáfora para um predador sexual, que buscava se satisfazer com a garota. As roupas vermelhas da menina faziam referência à luxúria e à chegada da garota à puberdade, tornando-a suscetível aos ataques do 'Lobo'.
A floresta simboliza o desconhecido, o mundo adulto. O caminho reto representa a obediência, e o desvio, a curiosidade ou tentação. Chapeuzinho, ao se afastar da rota, deixa de ser apenas uma criança inocente para tornar-se protagonista de sua própria experiência de amadurecimento.
O Lobo mata a avó de Chapeuzinho e assa sua carne, dando para a garotinha comer sem que ela soubesse... Depois, ele se deita ao lado da garota, onde o erotismo continua. A partir desse momento, temos diversos finais alternativos, em alguns a garota acaba morta, em outros, ela consegue até mesmo escapar do 'Lobo', utilizando algumas desculpas.
Esse conto, por debaixo da capa de história infantil, carrega consigo uma lição que os pais costumava dar as suas filhas, sobre como reconhecer comportamentos predatórios, e como evitá-los. Os diálogos de duplo sentido e as pistas visuais, tornam palpável essa teoria, até os dias de hoje.
Depois disso, você nunca mais irá enxergar esse conto da mesma forma, podendo observar todo o jogo de fundo por trás dessa lenda.
A Fé do Demolidor


O Demolidor é um dos poucos heróis assumidamente cristãos nos quadrinhos, deixando clara sua fé em diversos diálogos e ações. Como demonstram suas constantes visitas ao confessionário da igreja de Hell’s Kitchen. No entanto, como essa fé afeta suas ações e crenças como um super-herói?
Matt Murdock é um homem católico, que após perder a visão em um acidente na infância, obtém dons fantásticos, tendo todos os seus outros sentidos altamente ampliados.
É possível observar muito das concepções de fé em suas ações e construção. A cegueira, e seu alter ego como advogado, claramente simbolizam a perfeição da justiça divina, cega para as aparências ou status, focada apenas nos atos.
Sua negação em atender clientes que ele julga serem culpados demonstra com clareza seu compromisso ético com a justiça, não com o lucro. Matt não trabalha por dinheiro, trabalha pelo que é certo.
Suas ações de heroísmo vão muito além de simplesmente bater em criminosos como o Rei do Crime ou o Mercenário. Murdock, em suas duas faces, faz o que heróis mais notórios, como Capitão América, Homem de Ferro ou Thor, não fazem. Ele está próximo dos mais necessitados, protegendo-os das mazelas que assolam tais comunidades.
Aqui, temos mais um paralelo a Cristo. Muitos acreditavam que ele seria um grande líder militar que traria a libertação dos judeus da repressão romana, mas que na verdade foi alguém que optou por estar próximo das pessoas mais simples, para instruí-las.
Mas, por que de sua violência extrema e seu gosto por ela?
Eis aqui mais uma faceta brilhante de um dos personagens mais subestimados da Marvel.
Sua fantasia não serve somente para esconder sua identidade, e sim, para blindar-se do pecado. Como um bom católico, ele não deseja ser ovacionado pelos seus atos, por isso, deixa todos eles sob a autoridade de uma figura simbólica, o Homem Sem Medo. Além disso, ela serve também como algo punitivo para si mesma.
Murdock já admitiu mais de uma vez que tem um prazer quase sexual em ser o Demolidor. Seja pelo senso de aventura, seja por gostar de espancar os criminosos, de ter seu sangue em suas mãos.
Outro aspecto do prazer que o Demolidor experimenta está em suas relações com as mulheres. Foggy Nelson sempre ironizou como garotas lindas vivem em torno de Matt Murdock. E através de qual lado dele elas entraram em sua vida? Exatamente, o Demolidor! Como o Defensor de Hell´s Kitchen, ele aproximou-se de outras justiceiras, como Viúva Negra e Elektra, e de possíveis vítimas que salvou, como Karen Page. Todas elas, atraídas por seu alter-ego.
E isso é inadmissível para um cristão, por isso, seu traje funciona como um catalisador, onde ele admite que, quando está lhe utilizando, está se comportando como um pecador, e por isso, se autorreferencia como um ser de trevas.
Tais sentimentos são muito explorados nas obras de Frank Miller, o maior autor a passar pela história do Homem Sem Medo. Em A Queda de Murdock, Miller explora um pouco mais dessa faceta cristã do Demolidor. Como ele tinha que mentir para proteger sua identidade secreta, quando Wilson Fisk ameaçava revelá-la ao público. Quando ele teve que pôr sua mãos sob a Bíblia, jurando dizer somente a verdade, e então, contou uma mentira.
Algo que ele se vê obrigado a confessar a um padre logo depois. Matt carrega consigo um senso de purificação, que muitas vezes é difícil de se manter, em meio ao caos de ser um justiceiro em Nova York.
É quase impossível manter-se do lado da justiça, cercado de tanta violência, seja por parte do crime organizado, seja por parte de outros vigilantes, como o Justiceiro, que em várias ocasiões rivalizam com o Demolidor, por se colocarem acima da lei (até mesmo para os padrões de um justiceiro urbano).
É em meio a isso que, por vezes, ele acaba desviando-se da moral que busca defender.
O Demolidor é um dos heróis mais complexos dos quadrinhos. Muito mais que um justiceiro badass, ele é o símbolo da justiça sem distinções, executada por um homem que tenta fazê-la segundo um ideal cristão, mas acaba às vezes tropeçando na própria podridão da sociedade.
Matt Murdock não busca ser adorado, ele busca redenção. E, como todo pecador que acredita na salvação, ele segue em queda, mas sempre tentando levantar.
A Quebra de Ciclo em Jurassic Park


Seja na obra literária de Michael Crichton, seja na adaptação cinematográfica de Steven Spielberg, Jurassic Park carrega consigo uma grande crítica ao capitalismo. Essa face da obra é bastante perceptível ao longo da história. Desde a irresponsabilidade na contenção dos animais até o abafamento de mortes e acidentes, em nome da preservação da “reputação” do parque, mostram isso com clareza.
Porém, isso nem de longe é a principal crítica nas entrelinhas desse clássico da ficção científica. O dinheiro, definitivamente, não é o maior motivador do desastre na Ilha Nublar e, sim, a megalomania e complexo de deus do seu criador.
John Hammond e seus geneticistas tinham o sonho de ter em suas mãos o “poder” de Deus: a possibilidade de driblar o processo natural e devolver a vida a seres que a própria natureza havia decretado a extinção.
Ao fazê-lo, eles romperam um elo importante do ciclo natural, e isso cobrou seu preço. Aquilo não eram dinossauros. Muito mais que uma ótima frase de efeito, ela é a pura verdade. Aqueles animais eram aberrações genéticas, diferentes e muitíssimo mais violentas que seus antepassados.
Como se não bastasse revivê-los, Hammond queria controlá-los — impedir sua reprodução natural, cercá-los, transformá-los em prisioneiros ornamentais. Mantendo-os presos entre cercas. Transformando-os em meras (mesmo que fascinantes) atrações de um parque temático.
Porém, como disse Ian Malcolm, “A vida encontra um meio”. O desejo megalomaníaco de John se voltou contra ele quando os dinossauros escaparam, matando pessoas e destruindo o Jurassic Park, lhe mostrando de forma inegável que a natureza é completamente indomável, por mais que ele tentasse.
Jurassic Park é sobre o desejo da humanidade de controlar o mundo, e de como, em contrapartida, a natureza reage, mostrando seu poder. No fim, o que Jurassic Park nos mostra é o preço pago pela quebra de um ciclo: quando o homem se coloca acima da vida, a vida reage e cobra caro.
Batman Não Tem Amigos?


Essa teoria presente no livro Super-Heróis e a Filosofia, de William Irwin, funciona somente com algumas versões específicas do herói, mas faz muito sentido quando comparamos com as versões certas.
Nas décadas de 1950 e 1960, era perceptível que o Homem-Morcego tinha uma amizade quase infantil com Robin, Superman, Comissário Gordon e outros heróis e aliados. Desde essa época, a máxima de “trabalho sozinho” nunca foi uma verdade. Porém, isso eram tempos de censura, onde os heróis eram retratados de forma rasa e bastante tosca.
No entanto, quando a seriedade voltou às HQs de DC e Marvel, nos anos 1970, personagens como o Cavaleiro das Trevas tornavam-se muitíssimo mais complexos.
Sua relação com Jim Gordon é algo meramente situacional. Ambos só convivem um com o outro devido ao seu dever em comum com Gotham. Gordon, por sua vez, tentou estreitar essa relação, como no momento em que convidou Batman para uma festa de fantasias, que ele prontamente negou, deixando clara a relação entre eles como puramente profissional.
Barbara Gordon, a Batgirl, também entra nesse círculo — muitas vezes tratada com carinho e respeito por Bruce, mas quase sempre com um certo distanciamento emocional.
Com Harvey Dent, as coisas quase mudaram de patamar. A identificação entre ambos era fortíssima. Dois símbolos de justiça, um dentro da lei e outro agindo à margem dela. Bruce chegou a pensar em revelar sua verdadeira identidade para Dent, algo que nunca pensou em fazer com Gordon. Mas a transfiguração de Harvey em Duas Caras enterrou completamente essa possibilidade.
Não é diferente com os membros da Liga da Justiça. Mesmo que eles conheçam o rosto por trás da máscara, isso não significa que sejam amigos. Até mesmo Superman, que sempre foi visto como melhor amigo do Morcego dentro da Liga, foi rechaçado pelo mesmo em seu primeiro encontro na Era de Bronze, na HQ The Man of Steel #3, de 1986.
Mesmo após uma noite inteira lutando lado a lado, Bruce admite que admira muito o Homem de Aço, mas que somente em outra realidade ele poderia chamá-lo de amigo. Eles eram diferentes demais.
E a Mulher-Gato? Bom, tenho certeza de que o interesse do Batman por ela não é de amizade...
É perceptível a dinâmica sexual entre eles, que permeia boa parte de suas interações em todas as mídias do herói. Mesmo que, em algumas versões, isso evolua para uma relação séria, ela quase nunca sai desse eterno jogo de gato e rato.
E quanto aos membros da Batfamília? Aqui o buraco fica mais embaixo.
Lucius Fox, em boa parte dos quadrinhos, é nada mais que um aliado na luta por Gotham. Na trilogia Cavaleiro das Trevas e em adaptações como a saga Arkham ou os games da Telltale, Fox se torna uma figura mais próxima de Wayne, podendo sim ser considerado um bom amigo.
Por fim, Alfred e Robin, os dois aliados mais próximos do Homem-Morcego.
Alfred foi uma figura paterna para Bruce desde a morte de seus pais: o homem que lhe acolheu nos braços quando seu mundo desabou, que mostrou a ele uma forma de direcionar sua raiva não contra a sociedade, mas em prol dela, buscando livrá-la do mal que destruiu sua família. Nos filmes de Christopher Nolan, fica óbvia essa relação paternal entre eles. Alfred ama Bruce mais que tudo em sua vida, e Wayne o ama como a única família que tem. Essa mesma relação pode ser vista em outras adaptações cinematográficas, como The Batman, e em diversos games.
Nas HQs, essa relação raramente recebe tal profundidade, mas quase sempre segue por esse mesmo caminho. Então sim, Alfred e Bruce são amigos e, talvez, até mais que isso.
E quanto a Robin? Aqui entramos em um terreno ainda mais interessante. Nesse aspecto, a obra citada inicialmente aborda um lado do herói que poucos observam: sua incapacidade de relacionar-se socialmente e como ele tem maior facilidade em conversar com crianças. O motivo? Ele talvez nunca tenha deixado de ser uma! Assim que Bruce Wayne perdeu seus pais, ele tomou para si o objetivo de vingar suas mortes, assumindo a identidade de Batman e deixando seu alter ego de playboy bilionário totalmente de lado. Assim, o menino de 8 anos no Beco do Crime nunca teria crescido, apenas mudado de forma. Bruce não vê jovens problemáticos, ele vê espelhos: crianças que, como ele, perderam tudo e pararam no tempo, como Dick Grayson, Jason Todd, Tim Drake e por aí vai. Além de desejar dar-lhes uma alternativa para escapar de seus traumas, ele também tem maior facilidade de conviver com eles, pois os enxerga como semelhantes.
Dessa forma, Robin seria, sem dúvida, um amigo para Batman. Claro, essa teoria só é válida para algumas roupagens do herói. Em boa parte delas, o Cavaleiro das Trevas está mais para um mentor ou pai, e Robin (especialmente Grayson) para um pupilo/filho, o que, pelo menos para mim, configura sim uma relação de amizade.
Obviamente, um personagem que possui centenas de adaptações diferentes, muitas delas totalmente distintas umas das outras, não pode ser analisado por um único prisma. Por isso, é completamente válido analisá-lo com a lente da adaptação em específico.
E você? Quantos amigos de verdade acha que o Batman realmente tem?
Bom, essas foram as metáforas de hoje! Se curtiu, deixe seu like e seu comentário, e fique atento para uma possível continuação desse quadro...
