Como Michael Keaton recriou o Batman?

Quando Michael Keaton foi anunciado como Batman, em 1988, muitos fãs torceram o nariz. Um ator baixinho, conhecido por comédias como Os Fantasmas se Divertem (1988), definitivamente não tinha perfil para ser o Cavaleiro das Trevas. Porém, o diretor, Tim Burton, tinha total confiança no colega, e o sucesso estrondoso de Batman (1989) provou que a escolha havia sido acertada. O Cruzado Encapuzado vinha de uma década mágica, com vários de seus melhores quadrinhos sendo lançados, e seu nome sendo elevado ao mais alto panteão da DC, com tramas sérias e complexas, muito diferentes das histórias caricatas das décadas anteriores. Mas qual foi o papel de Keaton nessa reformulação brutal na imagem do maior herói da DC? É isso que vamos discutir hoje!

MARVEL E DC

Rafael Silva

10/13/20255 min read

Como dito anteriormente, o Batman vinha em um momento histórico nas HQs. Sucessos como: Ano Um, Asilo Arkham e Piada Mortal tornavam o herói quase uma unanimidade no quesito qualidade nos quadrinhos. A reformulação pós-crise nas Infinitas Terras devolveu ao Batman sua aura mais realista e soturna, que havia sido roubada nas três décadas anteriores. Para terem ideia, a versão mais icônica do herói em live-action até então era a de Adam West. Ou seja, a face mais conhecida do Batman era quase uma paródia do que ele realmente deveria ser. Por isso, era necessário que alguém revivesse o herói nas telonas, de forma semelhante às HQs dessa nova era, mostrando ao grande público quem era verdadeiramente o Cruzado Encapuzado.

Mas não seria necessária apenas uma boa adaptação do herói central para reconstruir toda uma mitologia, não é? Burton teve o desafio de criar uma atmosfera gótica, digna dos quadrinhos, e conseguiu fazê-lo com perfeição. Por meio do trabalho "oscarizado" de Anton Furst, Gotham tornou-se um monumento decadente e sujo, ao mesmo tempo que grandioso. A trilha sonora, a cargo de Danny Elfman, foi também um fator decisivo, trazendo à tona o fator sombrio e fantasioso do Vingador da Noite.

Porém, faltava definir o vilão, alguém que seria o nêmesis do Batman nas décadas seguintes, que seria a face de sua mitologia ao seu lado. E esse, não poderia ser outro, que não o Coringa.

O Palhaço do Crime esteve presente na vida do Homem-Morcego desde Batman #1, de 1940. Desde sua origem, ele se mostrou um vilão sádico, ao mesmo tempo que genial, que, mesmo com sua persona cômica, era capaz das maiores atrocidades. Era justamente esse contraste que o tornava único. Curiosamente, ele deveria ter sido morto logo em seu segundo confronto contra a Dupla Dinâmica, ainda em 1940. A ideia de Bob Kane era mostrar que Batman não era tão permissivo assim com seus vilões. Isso deixou o Arlequim do Ódio na geladeira por algumas edições, mas ele logo retornou. Nas décadas de 1950 e 1960, uma forte censura caiu sobre os quadrinhos, e as tramas se tornaram completamente rasas. Com isso, o vilão antes ameaçador tornou-se um mero ladrão de bancos, com alguns truques baratos. Durante esses anos, e até mesmo na série de 1966-1968 de Adam West, creio que o Charada (vivido na série por Frank Gorshin) tenha sido o vilão top 1 do Batman. Diferentemente de seu colega de crime, ele sofreu bem menos com a censura e manteve-se como um rival ideal para o Batman, já que desafiava justamente o maior trunfo do herói: sua inteligência. Apenas a partir de 1970, com a crescente revolução nos quadrinhos, o Coringa retomou sua persona mais psicopata. Ao longo dos anos 1980, HQs como Piada Mortal marcaram com clareza: Batman e Coringa são a antítese um do outro e, ainda assim, possuem uma obsessão entre si. Um não pode viver enquanto o outro estiver vivo. Porém, foi Jack Nicholson o principal responsável por trazer essa verdade a mais de 60 milhões de espectadores nos cinemas, apenas nos EUA. Nicholson trouxe um Coringa ameaçador e mortal, misturando seus traços cômicos (presentes desde César Romero) com sua malícia típica: A flor ácida, o gás do riso, o "bang" da pistola e tudo mais, foi concretizado por essa versão. A existência quase dependente entre Coringa e Batman foi desenvolvida como nunca antes, pois aqui o Coringa foi o assassino dos pais de Bruce. O Coringa criou o Batman após o assassinato, e o herói criou o vilão após deixá-lo cair no tanque de químicos. Ou seja, a existência de um é intrínseca à do outro. Se hoje Batman e Coringa são considerados a maior rivalidade da cultura pop, rivalidade essa que é primordial na mitologia do Batman, é muito devido ao clássico de 1989, estrelado por Keaton e Nicholson.

O relacionamento de Batman com o restante de sua mitologia funciona razoavelmente bem. Sua relação familiar com Alfred, apesar de pouco desenvolvida, tem seus méritos, assim como seu romance com Vicky Vale. Uma ressalva é sua relação com Gordon, que deveria ser um de seus maiores aliados e, aqui, não passa de um personagem totalmente secundário, com menos de cinco minutos de tela. É nesse ponto que a mitologia do herói ainda não foi explorada por completo.

Mas, falando mais propriamente do Batman. Ao contrário de West, Keaton era sisudo e ameaçador, tendo um ar quase sobrenatural. Aqui, o status de lenda urbana voltou ao universo do Batman, com muitos temendo-o sem nem ao menos tê-lo visto de verdade. O preto entrou de vez na vida do Maior Detetive do Mundo, do uniforme até a bat-parafernalha. Esse trabalho foi vital para moldar o que hoje entendemos como a estética padrão do Batman. Apesar do traje rígido (que não lhe permitia nem ao menos mexer o pescoço para os lados, forçando-o a virar-se inteiro para ver algo…) e a baixa estatura, Michael entregou uma figura imponente e mítica, além de mandar bem nas cenas de ação. Talvez seu maior defeito seja justamente fugir ao código de não matar, sendo que aqui nem o Coringa escapa da sede de sangue do vigilante… E essa opção por matar jamais é explicada no filme, parecendo ser apenas uma negligência por parte da produção. Isso se torna um problema quando paramos para pensar no herói como um todo. Batman sempre teve como máxima: não matar. E aqui, essa máxima é completamente descartada, sem razões claras, diferente, por exemplo, da roupagem de Ben Affleck, que deixa implícito que a morte de Robin transformou o Homem Morcego em um assassino.

Como Bruce Wayne, Keaton não é nem de longe um galã como West foi, ou como Kilmer e Bale viriam a ser. Seu Bruce, distraído e alheio a tudo, pode não agradar a muitos fãs, mas, inegavelmente, é um disfarce perfeito. Olhando para aquele homem aparentemente idiota e fútil, ninguém jamais esperaria encontrar o herói de Gotham!

Michael Keaton entrega uma atuação competente, tanto sem quanto com a máscara, e casa perfeitamente com toda a construção atmosférica do longa. Batman (1989), convertendo-se para os valores atuais, faturou 1,1 bilhão de dólares (411 milhões na época), sendo a segunda maior bilheteira do gênero até então, ao lado de Superman (1978). O Batman de Keaton é a cereja do bolo de mais de duas décadas de reconstrução de uma lenda, que retomou sua faceta séria, após anos de fanfarrice.

Foi com seu sucesso que o Batman passou a viver a Batmania, em que tudo envolvendo o herói se tornava automaticamente um sucesso. Talvez apenas Christian Bale, por seu ótimo desenvolvimento psicológico, e Adam West, por elevar o herói ao status de ícone pop, tenham sido tão marcantes na trajetória do herói.

Muitos podem não aprová-lo, mas, inegavelmente, ele foi responsável por, em sua época, dar ao público um vislumbre de quem é o Batman, devidamente adaptado aos cinemas.

E você, curte a atuação de Michael Keaton? Ou era melhor continuar fazendo bizarrices com Tim Burton? Deixe sua opinião!


Como Michael Keaton recriou o Batman?