Asilo Arkham: casa da loucura ou coração sombrio de Gotham?

Em Asilo Arkham: Uma Séria Casa em um Sério Mundo, de Grant Morrison e Dave McKean, conhecemos a história do local mais infame da lore do Batman. Fundado em 1921 por Amadeus Arkham, psiquiatra que tomou como missão pessoal provar que nenhuma mente, nem mesmo a mais insana, estava além da cura, o sanatório Elizabeth Arkham surgiu como um farol de esperança, que iria lavar a alma de Gotham da maldade que parecia incrustada em sua alma desde o princípio. Baseado no sanatório criado por H.P. Lovecraft, que por sua vez foi baseado no Danvers State Hospital de Massachusetts, conhecido por sua estética gótica e tratamentos desumanos, o Asilo Arkham ostenta uma aura assustadora e repreensiva, um tanto inadequada para um local dedicado a tratar a mente humana. Mas, será que Arkham é apenas uma instituição fracassada de uma cidade corrupta, ou o núcleo de um mal ainda mais profundo e irremediável? É isso que iremos descobrir hoje!

MARVEL E DC

Rafael Silva

12/17/20256 min read

A motivação de Amadeus vinha da perda de sua mãe, que passou seus últimos anos assolada por visões de um morcego gigante que lhe vigiava em seus pesadelos.

Porém, em sua tentativa de vencer a loucura e dar luz a uma cidade perdida como Gotham, Amadeus acabou sucumbindo ao mal que jurou destruir. Após perder sua esposa e filha para um assassino conhecido como Cachorro Louco, Arkham passou a vislumbrar os mesmos horrores que sua falecida mãe. Em 1929, foi preso no asilo que ele mesmo construiu. Nem mesmo seus anos de estudo sobre a mente humana o fizeram capaz de controlar a sua própria.

Em seus últimos anos, escreveu feitiços de proteção no piso e nas paredes de sua cela, com suas próprias unhas rachadas e ensanguentadas, tentando impedir que o monstro que pairava em sua mente atingisse a realidade. A essa altura, já ficou claro que os Arkham haviam de alguma forma previsto a existência do Cavaleiro das Trevas. Um homem que, assim como ele, desejava mudar Gotham motivado pela dor que ela lhe causou, mas que, no final, tornou-se mais um de seus monstros.

Em certos momentos da narrativa, Batman parece até mesmo ter uma ligação psíquica com Amadeus, vendo flashes de seu passado e até mesmo vivendo alguns paralelos em seu presente. Na luta final do Cavaleiro das Trevas contra o Crocodilo, o herói escuta a voz de Arkham recitando o trecho bíblico em que o Arcanjo Miguel enfrenta o Grande Dragão, em uma cena muitíssimo semelhante à vivida pelo herói, como se, mais uma vez, ele pudesse prever que tudo aquilo aconteceria. Até mesmo o Coringa pode ter sido previsto pelo fundador da Casa da Loucura, uma vez que ele viu uma carta Curinga caída ao lado da cama de sua filha durante a construção do hospital, além de, por diversas vezes, falar sobre peixes-palhaços com um fascínio mórbido. Aparentemente, Amadeus Arkham foi capaz de não só prever o nascimento do "salvador" de Gotham, como também de seu maior nêmesis.

Batman Arkham Asylum (2009), outra obra fantástica que aborda a mitologia de Arkham, traz uma missão secundária, em que Batman escaneia diversas placas com mensagens deixadas por Amadeus décadas antes e que haviam sido resgatadas pelo diretor Quincy Sharp, que dizia ouvir a voz de Amadeus em sua mente e acreditava que Batman realmente fosse a criatura sombria que o fundador havia previsto nos anos 1920. Novamente, o manicômio se põe na linha tênue entre a insanidade e o paranormal.

Talvez as lendas paranormais de paredes que sangram e os berros de Amadeus em celas vazias não fossem totalmente irreais, afinal…

O próprio Batman confessa ao longo da HQ de Morrison que teme passar pelos portões de Arkham, por acreditar que, quando enfim estiver em meio aos loucos, ele se sentirá entre os seus, como se estivesse enfim voltando para casa. Assim como Coringa, Espantalho e Charada, Bruce Wayne é um homem que jamais superou seus traumas pessoais e, com isso, adotou um alter ego em que sintetizava tudo que sentia e acreditava, abrindo mão do homem para adotar o símbolo. No fundo, ele mesmo se reconhecia como tão insano quanto seus próprios inimigos, diferenciando-se deles apenas por agir do lado certo da lei.

Mas, talvez, essa fala tenha um impacto ainda maior, graças às previsões de Amadeus, com Arkham não sendo apenas um refúgio para a mente do Cruzado Encapuzado, mas também o lugar onde sua lenda verdadeiramente nasceu, quase como se Arkham fosse o núcleo da loucura que alimenta Gotham, não à toa, tornando-se o local onde suas mentes mais insanas passaram a habitar.

Em sua concepção, em Batman 258 (1974), pelas mãos do lendário Dennis O'Neill, o Asilo serviria apenas como o lar de maníacos como o Coringa, mas rapidamente tornou-se a casa de praticamente toda a galeria de vilões do Homem Morcego, até mesmo homens sãos como Senhor Frio e Crocodilo. Como todos sabem, a instituição falha miseravelmente em trazer luz à mente de seus pacientes, com eles facilmente escapando, burlando o sistema e, por vezes, até mesmo enlouquecendo os próprios funcionários, como o Coringa fez com Arlequina.

No final das contas, ele não passa de uma vitrine do pior que Gotham tem a oferecer, tornando-se o símbolo máximo da desesperança que a oprime.

De certa forma, toda a maldade de Gotham acaba achando um caminho até Arkham. O Asilo não existe para curar, mas para dar forma, nome e permanência à insanidade de Gotham.

Em uma cidade em que o crime encontra suas raízes nos esgotos com Crocodilo, nasce nos becos escuros com Victor Zsasz e floresce nos altos prédios com Pinguim, é natural que achemos que tudo isso não passa do fruto da corrupção sistêmica que assola Gotham desde os primórdios.

Mas não parece estranho como tudo em Gotham parece ser pior? As mentes mais deturpadas, os crimes bárbaros e um herói mentalmente instável, que, por mais que tente, parece piorar a cidade em vez de melhorá-la. Até mesmo Superman, na HQ Justiça, apontou a gravidade do mal em Gotham, definindo-o como muito mais brutal que o visto em Metrópolis.

É inegável que o Vingador da Noite salvou milhares de vidas ao longo de sua guerra ao crime, mas, de certa forma, sua figura atrai a loucura para a cidade. Antes dele, não havia criminosos fantasiados, maníacos incendiários ou homens divididos ao meio; a criminalidade tradicional foi substituída por um tipo muito mais insano de ameaça, quase como se adequasse ao seu vigilante.

É possível que a família Arkham tenha previsto a loucura que o Morcego Gigante traria para Gotham e lutou para mantê-lo aprisionado no local que o originou, mas fracassou. Sabemos que o sobrenatural muitas vezes soa como uma explicação fácil para coisas supostamente inexplicáveis, mas, como veremos em seguida, essa definitivamente não seria a primeira vez que o universo do Maior Detetive do Mundo encontraria explicações em coisas além da compreensão humana:

  • O Demônio Barbatos: na aclamada história "Dark Knight, Dark City" e em arcos mais recentes como o de Ram V em Detective Comics, é revelado que a cidade foi, na verdade, construída ao redor de um templo subterrâneo usado para um ritual demoníaco. Os fundadores coloniais de Gotham tentaram invocar e prender um demônio-morcego chamado Barbatos, cuja influência maligna se espalhou pela cidade em crescimento.

  • O Warlock "Doutor Gotham": outra origem sugere que um antigo e maligno warlock foi enterrado vivo sob o local onde a cidade se desenvolveu. Sua essência corrompeu o solo, envenenando a terra e, por extensão, a alma da cidade, e ele próprio viria a se chamar "Doutor Gotham".

  • Terras Amaldiçoadas e Pântanos: A área onde Gotham está localizada, incluindo o famoso Pântano do Massacre (Slaughter Swamp), tem uma história de eventos sobrenaturais e cultos. É neste pântano que Cyrus Gold foi morto e transformado no monstro imortal Solomon Grundy.

  • Eventos e Personagens Recorrentes: A cidade tem uma longa história de assombrações, incursões demoníacas e a presença de personagens ligados ao ocultismo, como Jim Corrigan (o hospedeiro do Espectro) e vilões como Deacon Blackfire.

Esses elementos sobrenaturais servem para reforçar a ideia de que Gotham não é apenas uma cidade com muitos criminosos, mas sim um lugar onde o mal e a escuridão são parte de sua identidade fundamental.

Em maior ou menor frequência, Batman, a entidade que define Gotham, envolve-se com cada um desses seres e eventos, mostrando-se como um possível elo entre a cidade e o mal que a aflige. Bruce conhece cada prédio, rua e beco de Gotham, e devotou sua vida a protegê-la, mas, quando perdeu seus pais, a cruzada que escolheu, por não ter sido a de justiça, mas sim, a de carregar nos ombros uma maldade irremediável, fez com que, sem perceber, ele passasse a ser o maior causador. E, no final, tudo leva a Arkham, o local onde as duas mentes mais insanas da cidade tiveram seus nascimentos antevistos e onde estavam destinados a se encontrar, assim como todas as outras almas perdidas de Gotham City.

A velha Mansão Arkham é o coração doente que bombeia a infecção para o restante do corpo, mantendo-o em constante estado terminal.

E você, acha que o Asilo Arkham é apenas um dos sanatórios mais horripilantes da ficção? Ou será que existe algo ainda mais obscuro por trás de suas paredes? Comente!